O Deus de Voltaire
O deísmo (do latim, deus) é uma posição filosófica naturalista que acredita na criação do universo por uma inteligência superior (que pode ser Deus, ou não), através da razão, do livre pensamento e da experiência pessoal, em vez dos elementos comuns das religiões teísta como a revelação direta, ou tradição.
A existência de um Criador ou Organizador do Universo (comparável ao Demiurgo do filósofo grego Platão), é a primeira causa da filosofia deísta. Em palavras mais simples: um deísta é aquele que está inclinado a afirmar a existência de um criador, mas não pratica nenhuma religião.
Voltando a Voltaire...O filósofo em questão tem uma visão cética em relação à metafísica, pois a razão humana não é capaz de conhecer a natureza divina e a realidade transcendente. Ao contrário da presunção da antiga metafísica, que se gabava de tudo conhecer, Voltaire evita o conhecimento que supera o limite da natureza humana, porque segundo ele:
“a verdadeira filosofia consiste em saber deter-se no ponto exato e nunca continuar sem um guia seguro” (ROVIGHI, 1999, p.355).
Contudo, Voltaire acreditava numa certa ordem inerente à natureza. Uma prova desta ordem inerente é o fim com que cada coisa se relaciona, pois este fim comprova que existe uma função para cada coisa no universo, conforme se segue:
“Não há arranjo sem objeto, nem efeito sem causa; logo tudo é igualmente o resultado, o produto de uma causa final; logo, é tão verdadeiro dizer que os narizes foram feitos para trazer lunetas, como é verdadeiro dizer que as orelhas foram formadas para ouvir os sons e os olhos para receberem a luz”. (VOLTAIRE, 1978a, p.191).
Deste modo, a partir da ordem inerente da natureza, Voltaire deduz duas provas da existência de Deus, as quais segundo ele resumiriam todas as outras provas e também todos os outros escritos sobre esta questão. Sendo assim, o primeiro argumento a ser considerado é exatamente esta ordem do universo, mas não só ela, como também o fim com que cada coisa se relaciona:
Quando vejo um relógio cujo ponteiro marca as horas, disso concluo que um ser inteligente montou as engrenagens desta máquina para que o ponteiro marque as horas. Assim quando considero as engrenagens do corpo humano, concluo que um ser inteligente montou os órgãos para serem recebidos e nutridos por nove meses na matriz: que os olhos nos são dados para ver, às mãos para segurar, e assim por diante. (VOLTAIRE, 1978b, p.63).
Por esse motivo, para Voltaire, como para Newton, Deus é o grande engenheiro ou mecânico que idealizou, criou e regulou o sistema do mundo (REALE, 2005, p.257), ou seja, se existe uma ordem no universo é porque alguém ordenou, e o relógio é uma prova inegável da existência do relojoeiro, assim como o mundo é uma prova evidente da existência de um Criador Supremo que é Deus.
“Se Deus não existisse seria preciso inventá-lo, porém a natureza proclama a sua existência”. (REALE, 2005, p.257).
Sabe aquele looping infinito que temos quando nos questionamos quem criou Deus e se ele foi criado quem criou ele e assim eternamente? Bom, Voltaire também pensou isso!
Existo, portanto alguma coisa existe. Se algo existe, existiu desde toda eternidade, pois aquilo que é, ou é por si mesmo ou recebeu seu ser de outro. Se é por si mesmo, é necessariamente, sempre foi necessariamente e é Deus. Se recebeu o ser de outro, e este seu ser de um terceiro, aquele de quem este último recebeu seu ser deve ser necessariamente Deus, pois não podeis conceber um ser que dê o ser a um outro se não tiver o poder de criar.(VOLTAIRE, 1978b, p.64)
Neste argumento a existência de Deus é provada pelo fato de ter que existir um Ser que exista necessariamente por si mesmo. Pois se existe algo, existe necessariamente por si mesmo desde toda eternidade ou seu ser deriva de um outro ser que existe desde toda eternidade sendo o seu ser a origem de todos os outros seres. Logo, este ser necessário que existe por si mesmo é Deus.
E por fim, basta agora examinar, segundo a reflexão de Voltaire, se o mundo material é este Ser necessário que existe por si mesmo e que é a origem dos outros seres que não são necessários.
Se este mundo material existisse por si mesmo de modo absolutamente necessário, seria contraditório pensar que a mínima parte dela poderia ser diferente de como é, pois, se o seu ser neste momento é absolutamente necessário, isso é suficiente para excluir qualquer outra maneira de ser. Ora está fora de dúvida que esta mesa sobre a qual escrevo, esta pena de que me sirvo, não foram sempre aquilo que são; estes pensamentos que traço sobre esta folha um momento antes nem sequer existiam, e não existem de modo necessário. Ora, se cada parte não existe com absoluta necessidade, é impossível que o todo exista por si mesmo. Eu produzo movimento; portanto um movimento antes não existia; portanto, não é essencial a matéria; portanto ela o recebe de outro; portanto, há um Deus que o comunica a ela. (REALE, ,2005 p.73.)
Desta forma, se a matéria existisse como uma necessidade absoluta, todas as partes dela deveriam existir necessariamente. Porém, as partes não existem necessariamente, pois uma mesa nem sempre foi uma mesa e uma caneta nem sempre foi uma caneta. Sendo assim, se as partes não existem necessariamente, o todo também não existe necessariamente.
Fontes:
Wikipedia
Pensamento Extemporâneo
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